Liga-me a Patrícia.
“Vamos a um sítio onde eu
possa ter calma, onde eu possa comer coisinhas muito boas – já disse com calma?
– onde se for preciso eu possa deitar uma lagrimazinha no teu teu ombro, ou no
teu lenço, pronto, sem muita gente à volta.”
Propus-lhe a Mercearia do Século, um dos
restaurantes mais pequeninos e mimosos de Lisboa e minha descoberta deste
verão. Tentei saber mais sobre aquela urgência.
“O que é que havia de
ser? O verão, mais o cliché da ida ao mar com bandeira vermelha, não sei se
estás a ver.”
“Estou a ver. Então e
o...?”
“Não faças perguntas
estúpidas antes de chegarmos ao restaurante. Mas sim, a questão é muito
simples. O que é que uma mulher faz quando se manda ao mar de propósito e
chegam dois nadadores-salvadores ao mesmo tempo?”
“Mas um já lá estava,
não?”
“Eu disse chegam.
E estou a falar de nadadores-salvadores, não estou a falar do capitão do Porto
Seguro.”
Combinámos no cedro do jardim do Príncipe Real. O aroma deste gigante verde foi o primeiro medicamento para o stress da amiga. Sem conversa apressada. Depois foi só atravessarmos da esquina do jardim para o princípio da descida da Rua do Século. A Mercearia fica logo ao cimo, a seguir a uma meia-esquina. Nesse cantinho do passeio fica a mini-esplanada, com uma mesa sozinha e com as ementas escritas a giz.
Diga-se que, ao almoço,
uma sopa com um prato do dia mais um sumo fresco do dia custavam uns caseiros
8,90€.
As sopas da foto são a minha Sopa de Abóbora Com Caril, uma fineza habitual da casa, e a Vichyssoise que a Patrícia pediu... couve-flor, natas e perlimpimpim de cebolinho.
Seguiram-se, pela mesma ordem, os Jaquinzinhos com Salada de Feijão-Frade e a Salada de Barriga de Atum. A apresentação dos peixinhos fritos sem serem misturados na aguada do feijão diz bem do cuidado e da limpeza do prato. A distinção dos sabores foi a primeira regra.
“A propósito de distinção de sabores...”, disse a Patrícia, quando comentei este pormenor. Consegui distraí-la com a minha descrição do veludo da sopa de abóbora, a que o caril dá um travo que sobe à cabeça devagarinho.
“A propósito de subir à
cabeça devagarinho...”
Voltei a cortar: “Não
preferes um prato mais apaladado? Que tal umas Bochechas de Porco com Migas de
Broa, Couve e Morcela?” O que eu fui dizer.
“A propósito de bochechas
de porco...”
Se uma amiga começa a andar à roda temos de ouvi-la. O truque é ouvir e depois despejar exemplos e conselhos ao calhas, que ela só ouve os que lhe interessam e fica confortada. É o mesmo truque das astrólogas.
A Mercearia foi o sítio ideal para ouvir o filme dos erros de verão da amiga. E para dar uma pausa à neura, valeram os queijos ou as conservas e doces tradicionais portugueses... um frasquinho de piri-piri artesanal, ou um frasco de mel com amêndoas, um azeite finíssimo ou um cabaz de fruta ou legumes da época muitíssimo bem escolhidos.
Quando chegou a altura do mini leite-creme tostado com uma fatia de pão-de-ló de laranja e chá de erva-príncipe, já a Patrícia estava sorrir e o verão arrumado que nem sardinha em lata com picante. Deixo aqui o teu pensamento do dia, minha querida:
“Saladas de verão são
saladas de verão. Concentra-te no sabor, despacha a digestão!”
Jumpsuit Nanning (Colecção antiga)
Mercearia do Século
Jumpsuit Nanning (Colecção antiga)
Colar Selected (Colecção
antiga)
Mercearia do Século
Rua do Século, 145,
Lisboa (ao Jardim do Príncipe Real).
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